BSC: um chamado à lucidez

Posted By Eduardo Moura in Blog | 1 comment


BSC: um chamado à lucidez


Eduardo-MouraAinda tenho na minha biblioteca uma cópia amarelada do artigo de Kaplan e Norton intitulado “The Balanced Scorecard – Measurements That Drive Performance”, publicado na edição de Janeiro-Fevereiro de 1992 da revista “Harvard Business Review”. Li o artigo com interesse, e o recebi como uma boa ideia. Afinal, naquela época, no Olimpo Executivo da absoluta maioria das empresas os únicos indicadores considerados eram os financeiros. Era, portanto, bastante saudável que indicadores relativos aos clientes, processos e competências internas fossem acrescentados, para obter uma visão mais ampla do sistema de negócio. Até então íamos bem… Mas a dupla de autores forçou a barra com a avalanche de livros que depois publicou sobre o tema, habilmente vendidos como a solução mágica para desenvolver e operacionalizar a estratégia organizacional. E o mundo corporativo, sempre ávido para provar (como dizia Deming) o próximo “pudim instantâneo”, entrou firme na onda – até porque o Balanced Scorecard (BSC) reforça o paradigma vigente de “comando e controle no topo; execução na base”, ou MBO (Management by Objectives) distorcido. Evidentemente, um montão de consultores também aproveitou o embalo para oferecer serviços de BSC (Balanced Scorecard). E o resto da história está aí, nos dias de hoje: a canonização do Balanced Scorecard. Quero, porém chamar a atenção do amigo leitor para algumas deficiências fundamentais do BSC como praticado hoje, ainda que corra o risco de ser excomungado como sacrílego que fere ouvidos santos com abomináveis heresias.

bsc-um-chamado-lucidez

 Em primeiro lugar, o BSC leva incautos administradores a confundir o desenvolvimento de estratégias com a identificação simplista de “iniciativas” para atingir metas numéricas arbitrariamente estabelecidas a priori. Ora, uma estratégia eficaz pressupõe uma análise profunda de como estamos, e como está o complexo ambiente ao nosso redor, para então derivar e priorizar cuidadosamente as estratégias e táticas necessárias para avançar em direção ao estado ideal desejado. Ou seja: os dados e fatos da realidade atual é que deveriam ser os propulsores e inspiradores da estratégia. Os resultados deveriam vir como consequência das nossas ações estratégicas, e não o oposto, como se tenta fazer com o BSC.

   Em segundo lugar, o BSC não faz qualquer consideração sobre a variabilidade e a capacidade dos processos que acabam por determinar os resultados finais. Isto traz consigo os males de interpretar dados estatísticos ingenuamente, seja confundindo causa comum com causa especial de variação, ou vice-versa. No primeiro caso, alimentamos falsas ilusões ou causamos mais frustração; no segundo caso, perdemos reais oportunidades de melhora (infelizmente não há espaço aqui para ampliar este ponto).

E finalmente, o que me parece ser a principal falha e risco do BSC: a falácia da fragmentação. A proposta cascata de metas e ações, multiplicadas em torno dos quatro enfoques do BSC, pode repetir o erro que levou ao fracasso ou a resultados pífios a implementação do TQM/TQC em várias organizações: a multiplicação indiscriminada de esforços e recursos, sem visão clara de qual o foco vital prioritário em cada ciclo estratégico. Isto sem falar do risco de que alguma empresa resolva adotar o supra-suma da fragmentação de metas, sugerida nos livros de Kaplan e Norton: o estabelecimento de “scorecards” para cada pessoa da organização (!) e ainda por cima atrelado à remuneração individual.  Este “crazy card” é o equivalente de pedir ao indivíduo (ou ao infeliz gerente encarregado de implementar o “crazy card”) que resolva a equação X+Y=10, onde 10 é a meta corporativa, X é a contribuição do indivíduo e Y é o zilhão de demais fatores do sistema de negócios, os quais estão totalmente fora de controle da pessoa. O problema central é que o BSC parte de uma premissa inválida: a de que “a soma dos ótimos das partes leva ao ótimo do todo”. Sistemas complexos (como é o caso de sistemas de negócios) são interativos, e não aditivos. O que conta é o fluxo interdependente entre as diferentes áreas, pessoas e processos em toda a cadeia de negócio, e não a simples soma de esforços isolados e orientados ao cumprimento de metas pulverizadas.

    Não fiz nenhuma investigação sobre quão efetivas têm sido as  implementações de BSC, mas com base em esforços similares fundamentados na mesma premissa inválida, me arrisco a fazer uma previsão: a taxa de fracasso deve superar os 75%. E um detalhe sinistro: é bem provável que a direção conclua que a iniciativa fracassou não porque a metodologia é fundamentalmente deficiente, mas sim porque as metas não foram suficientemente agressivas, ou que faltou maior controle na execução e cobrança dos resultados, colocando a organização num ciclo perigosamente vicioso. Concluindo, e me contrapondo a um final tão lúgubre: exorto o colega a buscar formas superiores de desenvolvimento e desdobramento estratégico. Nesse sentido, opino (baseado em dezenas de workshops de planejamento estratégico que tive a oportunidade de facilitar em muitas empresas) que o mais poderoso método de planejamento disponível na atualidade é o “Thinking Process”, o processo de raciocínio lógico da Teoria das Restrições (TOC). O BSC deveria permanecer no lugar onde começou: um excelente painel de controle, e nada mais.

Até a próxima semana!

Eduardo Moura


Tag: BSC: um chamado à lucidez

1 Comment

  1. Concordo. Acredito que devemos avaliar processos e as equipes que tocam os processos avaliados.

    Avaliação individual somente para medir a capacidade do individuo em trabalhar em grupo em prol de um processo.

    Post a Reply

Submit a Comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *

twenty − fifteen =

Spain