Começar de novo!

Posted By Eduardo Moura in Blog | 2 comments


Começar de novo!


Eduardo-MouraNo período de 1950 a 1980 o mundo assistiu o surgimento do Japão como potência econômica mundial, conquistando mercados pela qualidade de seus produtos. Este foi um fato inédito na história da humanidade, pois pela primeira vez o poder econômico de uma nação foi conquistado sem golpes políticos e sem derramamento de sangue. Nos anos seguintes, outros países seguiram o exemplo, com maior ou menor êxito. E em praticamente todas as empresas do planeta, palavras como “qualidade total”, “satisfação do cliente” e “melhoria contínua” tornaram-se jargão do dia-a-dia. É verdade que em muitos casos (a grande maioria, na minha opinião) a coisa ficou por aí mesmo, no nível das palavras. Mas em todos os continentes, independentemente da cultura local, são inúmeros os casos de líderes empresariais que souberam colocar em prática os ensinamentos dos “gurus” da Qualidade, e conduziram suas organizações a um processo de transformação, obtendo resultados nunca antes imaginados. Entretanto, no cômputo geral mundial, cerca de 70% das empresas fracassaram na implementação do TQM (Total Quality Management). E esta estatística não tem sido menos desastrosa no caso de metodologias mais recentes como a Teoria das Restrições, Seis Sigma e Lean. Os analistas desavisados e os oportunistas se apressam em lançar a culpa às metodologias, e rapidamente passam a propor um novo modismo.

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Entretanto, a verdade é que a “culpa” não está na metodologia, assim como a absoluta maioria dos acidentes de trânsito não está na tecnologia automotiva, mas sim na imprudência dos motoristas. Na verdade, existe um grande fator determinante que pode explicar aquela estatística sinistra: a falta de liderança verdadeira e esclarecida. Há dois adjetivos importantes a considerar aqui: “verdadeira” e “esclarecida”. Primeiro, liderança verdadeira. Os verdadeiros líderes empresariais são figuras raras. A enorme maioria das pessoas colocadas na cabeça não são propriamente líderes, são no máximo administradores bem intencionados, munidos de uma confiança cega na experiência acumulada e nos ensinamentos que receberam em sua formação acadêmica, uma boa parte dos quais estão perdidamente obsoletos. Confirma ninguém menos que Peter Drucker: “À medida que nos aprofundamos no conhecimento econômico, vemos que as premissas básicas de muito do que é ensinado e praticado sob o nome de ‘gestão’ está irremediavelmente desatualizado… De fato, a maioria de nossas premissas sobre negócios, tecnologia e organização tem pelo menos 50 anos de idade; duraram mais do que deviam… Como resultado, estamos pregando, ensinando e praticando políticas contraproducentes, cada vez mais fora de sintonia com a realidade. Tais premissas, que determinam as coisas para as quais devemos estar atentos e quais devemos ignorar, são normalmente mantidas no subconsciente de professores, escritores e praticantes em todo o mundo. Logo, elas são raramente analisadas, raramente estudadas … raramente desafiadas, e até mesmo raramente explicitadas” [1]. Um pequeno exemplo que atesta o fato: a grande maioria dos profissionais e executivos tomam decisões críticas para o negócio com base no “custo do produto”, esse intocável conceito tacitamente aceito como vaca sagrada da administração tradicional. Entretanto, os que sabem algo sobre Teoria das Restrições já aprenderam que “custo do produto” é na verdade um fantasma contábil que, nas atuais condições empresariais, pode distorcer completamente nossa visão da realidade e levar-nos a decisões equivocadas [2]. O verdadeiro líder possui várias características distintas, mas sem dúvida a principal é seu ideal ou visão de longo prazo, baseada em princípios fundamentais. Tal característica contrasta frontalmente com o estilo gerencial predominante, o qual normalmente se resume ao estabelecimento arbitrário e cobrança insana de metas numéricas de curto prazo, uma malfadada prática (infelizmente reforçada pelo BSC – Balanced Scorecard) que Deming já criticava duramente há décadas atrás [3].

Em segundo lugar, liderança esclarecida. Um paradoxo da liderança (e a História não me deixa mentir) é que a própria paixão que o líder tem por seus ideais é, por um lado, a chave do seu sucesso, mas por outro lado o acaba cegando para outras verdades. Os líderes empresariais, “gurus” e consultores se dedicam apaixonadamente a difundir suas idéias, mas isto muitas vezes lhes bloqueia a visão. Muitos executivos que implementaram com êxito o TQM falharam em absorver as contribuições de outras metodologias. A grande maioria das empresas de consultoria oferecem a seus clientes apenas uma única forma de abordar os problemas da organização, e a vendem como se fosse uma panacéia milagrosa em qualquer situação. Afinal, para quem só tem um martelo na mão, todas as coisas ao redor passam a ter cara de prego… É o caso das instituições especializadas em TOC-apenas, ou Seis Sigma-apenas, ou Lean-apenas. A liderança esclarecida tem tanto a humildade de reconhecer que todos os métodos de melhoria têm limitações, como também tem a sabedoria de combinar as melhores contribuições de cada abordagem, em cada situação específica. Integração é a palavra chave, quando se trata de extrair máximo proveito do que Qualide Total/Seis Sigma, Lean, TOC e outras metodologias têm a oferecer [4]. Outro aspecto importante é que o líder esclarecido sabe que não é eterno, e portanto trata de construir um sistema que se perenize quando ele finalmente tenha que sair de cena. Infelizmente a maioria dos líderes não tem essa virtude, pois suas raras qualidades tendem a incliná-los para o egocentrismo, e assim sua saída deixa um tremendo vazio, colocando a organização em um processo de “desaprendizado organizacional”. Este fato é magistralmente ensinado no livro “Built to Last” [5], que confronta a figura do líder carismático estilo “time-teller” (vidente do futuro) versus o líder esclarecido estilo “clock builder” (construtor de um sistema que se auto-perpetua). Na verdade, levando em conta todas estas considerações, acho até otimista a estatística de que 30% das organizações têm exito na implementação de metodogias de melhoria contínua, se definirmos como “êxito” a obtenção de resultados sustentáveis no longo prazo e a consolidação de uma cultura organizacional orientada para a excelência!
Um fato cada vez mais evidente é que a maioria dos líderes empresariais que participaram ao vivo do movimento mundial pela Qualidade já se aposentaram, e a nova geração que assumiu seus lugares não sabe o que é Qualidade com Q maiúsculo. Alguns a vêem como uma remota matéria aprendida na universidade (numa época em que não tinham experiência empresarial suficiente para apreciar a importância do assunto); outros a associam a uma incômoda auditoria semestral necessária para manter vigente alguma certificação normativa; já outros têm uma visão mais abrangente, mas apenas no nível das políticas e práticas da empresa (o “know-how” da Qualidade), sem porém conhecer os princípios fundamentais ou filosofia da Qualidade (o “know-why”). Mas o fato é que a Qualidade continua sendo uma estratégia competitiva vital, talvez hoje mais do que nunca. As empresas mais competitivas são aquelas que não apenas reconhecem este fato tão óbvio mas também enfrentam o trabalho duro de torná-lo uma realidade consistente. Digo isto não apenas como experiente profissional da Qualidade, mas com base em dados estatísticos irrefutáveis: o projeto PIMS (Profit Impact of Market Strategies, www.pimsonline.com), originado na General Electric e posteriormente mantido pela Harvard Business School é com certeza o mais extenso estudo feito a partir de uma base de mais de 3.000 unidades de negócio em todo tipo de atividade , desde os anos 60 até os dias de hoje. E a principal constatação deste estudo pode ser resumida na seguinte frase: “No longo prazo, o fator isoladamente mais importante que impacta o desempenho financeiro das unidades de negócio é a qualidade de seus produtos e serviços, conforme percebida pelos seus clientes, em comparação com os competidores” [6].
Portanto, é necessário recuperar e por em prática o ensinamento dos grandes mestres da Qualidade: Deming, Juran, Ishikawa, porém sem repetir os erros do passado. E para não errar é preciso saber integrar harmoniosamente as melhores contribuições das mais poderosas metodologias de melhoria organizacional hoje disponíveis: Teorias das Restrições, Lean, Seis Sigma e Gestão por Processos (esta última, que desenvolvi a partir de 1994, é minha modesta contribuição à lista de metodologias de melhoria…). Resumindo: o que muitas empresas precisam fazer hoje é: começar de novo…

Até a próxima edição!
Eduardo C. Moura


Tag: Começar de novo!

2 Comments

  1. Professor Eduardo, que texto maravilhoso! tenho alguns comentários sobre o texto, que gostaria de fazê-los pessoalmente.

    Grande abraço,
    Mario Nascimento

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    • Valeu, Mario! Aguardo seus comentários…

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