O paradoxo da previsibilidade

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O paradoxo da previsibilidade


“O planejamento é uma coisa muito boa. Os planos é que, via de regra, são inúteis. Portanto, faça o planejamento, mas joque fora os planos! … Muito esforço para gerar previsibilidade acaba produzindo o efeito oposto.” (Mary Poppendieck)

 

Eduardo-MouraEmbora o trabalho desta brilhante autora (www.poppendieck.com) esteja focado no desenvolvimento de software, suas constatações podem ser estendidas muito mais além. Antecipando a reação de espanto de seus leitores com relação às afirmações acima, em um de seus interessantes artigos (disponíveis no website) ela afirma: “Peraí! (bem, estou dando um toque latino à tradução, além de abstrair o texto para além do contexto de desenvolvimento de software) O que é que há de errado em planejar o trabalho e em seguida trabalhar sobre o plano? Duas coisas estão erradas: em primeiro lugar, se você não sabe tudo o que é possível saber antes de planejar, então você está criando um plano a partir de especulação. Portanto, os resultados serão igualmente baseados em especulação. E em segundo lugar, as coisas mudam. Se você não tiver ciclos de retroalimentação rápidos e freqüentes durante a execução do plano (destaque meu), você o estará realizando para a situação que existia no início do plano, mas que já não corresponde à situação atual.”

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O que é que há de comum entre um plano de desenvolvimento de software, ou desenvolvimento de qualquer outro produto, um plano de construção civil, um plano estratégico ou qualquer outro tipo de plano complexo? O ponto comum é: atraso na data prometida, estouro do orçamento e/ou modificação das condições especificadas. Ou seja: prazo, custo e qualidade geralmente vão pro beleléu (putz, essa faz tempo que não usava!). E aí está o paradoxo da previsibilidade: todas as horas minuciosamente calculadas para a execução das atividades, cada centavo cuidadosamente justificado no orçamento, e todos os detalhes técnicos rigorosamente especificados no início do plano, tudo isto, nunca se cumpre à risca; sempre há modificações! (e Murphy trata de orientá-las para o lado ruim…)

Mas na verdade o paradoxo da previsibilidade vai muito mais além da questão do planejamento. Abrange, na verdade, a questão do controle gerencial, presente não apenas no planejamento tradicional, mas também em várias outras situações, por exemplo: o controle que exerce uma corporação sobre o cumprimento das metas especificadas para uma infinidade de indicadores de desempenho de suas unidades de negócio espalhadas pelo mundo afora; o controle que exerce um departamento de produção sobre cada minuto trabalhado pelos operários; o controle feito por um setor de contabilidade sobre cada gasto de cada departamento da empresa etc.

A esta altura, cabe perguntar: por que isto ocorre em tantas atividades distintas, em qualquer tipo de empresa, em qualquer país? Qual é o “furo” fundamental que pode explicar a crônica imprevisibilidade no cumprimento de metas cuidadosamente estabelecidas e rigorosamente controladas? Aqui caímos em um ponto já apontado em um dos artigos anteriores: a falácia da fragmentação, cuja linha de raciocínio é a seguinte: “Veja bem… a situação (do plano, das metas corporativas, do orçamento etc.) é muito complexa. Então vamos dividir o todo nas pequenas partes que o compõem (cada pequena tarefa do plano, cada departamento, cada conta do orçamento etc.) e tratemos de controlar cada parte de modo preciso e rigoroso. Porque se assegurarmos que cada parte cumpra o que lhe cabe, então o resultado final será o esperado.” Podemos chamar isto de “premissa aditiva”. Soa lógico, mas é totalmente falso! Porque o mundo em que vivemos é essencialmente interativo ou multiplicativo, e não simplesmente aditivo. Reza um dos axiomas da teoria de sistemas: “a soma dos pontos ótimos das partes não resulta no ponto ótimo do sistema” (axioma, aliás, muito “rezado”, mas pouco entendido). Por exemplo: vamos construir o rosto feminino mais bonito do planeta: juntemos os lábios mais bonitos, os olhos mais fascinantes, o nariz mais charmoso, a bochecha mais fofinha, o par de orelhas mais delicado, os cabelos mais lindos … e o resultado seria certamente um conjunto tosco, carente da harmonia que caracteriza a verdadeira beleza.

Voltando ao rude ambiente empresarial: afinal, o que é que invalida a premissa aditiva? Podemos resumir a resposta em duas palavras: fluxo e variação. As partes do sistema interagem, e cada uma está sujeita aos efeitos da variação, não apenas interna mas também (e principalmente) externa. E o resultado final é determinado não pela soma isolada do trabalho de cada parte, mas sim pelo fluxo do trabalho entre as partes interdependentes. E acima de tudo, em qualquer organização humana, não se trata de interação entre partes mecânicas. Trata-se do fluxo de trabalho entre pessoas, que reagem às práticas gerenciais segundo padrões não exatamente enquadrados nas leis da Física… Tudo isto faz com a que sonhada “previsibilidade aditiva” vá pro vinagre (recuperando outra expressão lá do fundo baú). E o problema não é a falta de controle, mas sim a própria filosofia tradicional de controle, que está mais do que falida. Simplesmente não funciona. Para sair do paradoxo da previsibilidade, é preciso mudar o paradigma do controle (isto não significa eliminar o controle, o que resultaria em baderna). Como? Há soluções prontas por aí, algumas mais desenvolvidas e testadas do que outras, mas com resultados claramente superiores em relação ao controle tradicional. Já passei do tamanho normal do texto, e abusei do seu tempo e paciência, mas deixo algumas dicas finais: para gerenciamento de projetos complexos ou críticos, há o método da Corrente Crítica, da Teoria das Restrições; para o dilema da medição e controle financeiro há o método de Contabilidade de Throughput, também da Teoria das Restrições. E para desenvolvimento de produtos, há o exemplo do Sistema Toyota de Desenvolvimento, ou “Lean Product Development” (não confundir com “Lean Production”, ou Sistema Toyota de Produção). É difícil de acreditar, mas a Toyota nunca atrasa o lançamento de um produto. E já faz alguns anos, eles comemoraram o lançamento de um veículo com zero alterações de projeto! Esclarece Mary Poppendieck: “Vejamos o mecanismo da Toyota para programação do desenvolvimento de um produto. O engenheiro-chefe de um novo veículo define as datas dos marcos ou ‘milestones’ do programa: esboços do veículo, modelo em argila, projeto estrutural, primeiro protótipo, segundo protótipo, produção piloto, início da produção. Não existe ‘master schedule’, rede PERT, diagrama de Gannt e nem acompanhamento do porcentual de tarefas realizadas. As pessoas em cada função sabem o que se espera delas em cada ‘milestone’, e cumprem o esperado. É tão simples quanto isto. Se um engenheiro precisa de informação ou peças para cumprir o ‘milestone’, ele vai atrás do que precisa. Não há desculpas; todos encontram por si mesmos uma solução para cumprir o prazo… (nota minha: a gerência não “empurra” as pessoas por meio de controle detalhado de suas atividades; apenas as apóia e monitora o sistema globalmente, ou seja, o sistema é “puxado”: os profissionais “puxam” informação e materiais que requerem, “just-in-time”). Uma programação ágil e dinâmica é melhor implementada por gente inteligente, não por um planejamento centralizado. O desafio da gerência é organizar o trabalho de modo que as pessoas tenham o treinamento, ferramentas, habilidade e motivação para entregar resultados confiáveis consistentemente. Quando você puder fazer isto, terá uma organização madura.”

Mas tudo começa por reconhecer humildemente o alto grau de ineficácia do controle gerencial tradicional. O que é um exercício no mínimo incômodo, no início.

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Até a próxima semana!

Eduardo Moura


 

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