Paradigmas 2: o Paradigma da Complexidade Inerente

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Paradigmas 2: o Paradigma da Complexidade Inerente


Eduardo-MouraContinuando nossa série sobre paradigmas, abordamos agora um dos mais praticados no meio empresarial: o Paradigma da Complexidade Inerente, que consiste em crer que “a realidade é altamente complexa em sua essência”. Partindo dessa definição fundamental, nossa reação “natural” para enfrentar a complexidade passa a ser: “dividamos o sistema complexo em pequenas partes mais manejáveis e administremos tais partes individualmente.” (por isso poderíamos também chamar esse paradigma de “Paradigma da Fragmentação”). E isso, aplicado a inúmeras situações (algumas das quais discutimos a seguir) , ocasiona toda uma série de conflitos organizacionais, com os respectivos sintomas negativos que nos afligem no dia-a-dia.
Por exemplo: na grande maioria das empresas, um mal crônico é a comunicação deficiente entre os diferentes departamentos, resultante de “interfaces nebulosas” no que diz respeito à clara definição de papéis e responsabilidades pelo fluxo de trabalho. Uma vez que estamos dedicados às atividades e objetivos departamentais, a integração e o fluxo de informações e materiais entre áreas (que é o que realmente determina o tempo e a qualidade da resposta ao cliente) ficam relegados a segundo ou terceiro plano. Como consequência, vários problemas pipocam mais tarde e fazem com que cerca de 70% (!) do tempo das pessoas seja desperdiçado no combate a “incêndios”. O que evidentemente se propaga no tempo e no espaço, e no final acaba impactando negativamente os clientes, com respostas lentas e ineficazes. E tais sintomas negativos são consequência de um conflito de fundo que podemos chamar de “o dilema da atenção gerencial” (já discutido em um artigo anterior, “O Dilema da Atenção”): “A. Focar-se nas metas departamentais de curto prazo” versus “B. Focar-se nos objetivos organizacionais de longo prazo”.

Paradigma-da- Complexidade-Inerente

A “solução” ganha-perde (que dá origem aos problemas mencionados) é a centenária “Gestão por Departamentos”, a qual prioriza o lado (A) do conflito, sacrificando o lado (B). Tal decisão (tomada por inércia, sem muita reflexão) fundamenta-se na premissa de que “a empresa irá bem, se cada departamento empenhar-se em cumprir suas metas individuais”. A realidade, entretanto, oferece inúmeras evidências de que essa premissa é falsa: é comum ver organizações nas quais as pessoas dão o melhor de si em suas atividades departamentais, mas o desempenho global da empresa é sofrível. Mas é aí que o paradigma revela seus poderes ocultos: interpretando tais problemas sob a ótica da “Gestão Departamental” (sem jamais questionar o próprio paradigma), os gestores chegam à conclusão que é necessário “aperfeiçoar” o sistema vigente através da imposição de metas mais agressivas, mais controles, um amplo desdobramento de metas numéricas via BSC (Balanced Scorecard) até chegar à metas individuais de cada colaborador, complementado por um sofisticado sistema de incentivos etc., o que apenas aumenta a complexidade e aprofunda ainda mais os efeitos negativos.
Outro exemplo prático do pleno funcionamento do Paradigma da Complexidade Inerente é a questão das prioridades na produção. Com frequência vemos o pessoal saltitando entre priorizar a qualidade, ou o lead-time, ou volume de produção, ou os pedidos urgentes, ou o custo, inventários etc. E fazem isto porque assumem a falsa premissa de que aqueles são temas relativamente independentes, que podem ser tratados separadamente. Mas apesar das evidências mostrarem que ao priorizar qualquer um daqueles temas os demais ficam prejudicados, sua atitude (dentro do paradigma vigente) é simplesmente resignar-se a conviver com os problemas, como se eles fossem moléstias inevitáveis. Ou então, seus atormentados ouvidos cedem ao canto místico da sereia informática e buscam desesperadamente a solução num software mais sofisticado, o que no frigir dos ovos acaba apenas aumentando a complexidade do sistema produtivo e produz um molho mais caro do que o peixe.
Um outro exemplo do paradigma em questão é o Gerenciamento de Projetos. Diante da complexidade de gerenciar centenas de tarefas e dezenas de recursos envolvidos num projeto complexo, dividimos o mesmo em pequenos conjuntos de tarefas e programamos para cada tarefa uma data de início e fim, ingenuamente adotando a (falsa) premissa de que “se todas as tarefas se concluírem a tempo, o projeto será entregue no prazo, com o conteúdo prometido e dentro do orçamento planejado.” Ledo engano. Mas apesar das contundentes evidências de que, quase que invariavelmente, todo projeto é entregue com atraso, com várias modificações em relação ao conteúdo prometido e com muitos gastos imprevistos, as pessoas (presas ao paradigma da gestão individualizada de tarefas) concluem que a solução está em negociar mais prazo com os clientes, sofisticar a análise de riscos antes de iniciar o projeto, fragmentar ainda mais as tarefas, aumentar a frequência e abrangência dos “gate reviews”, desenvolver a inteligência emocional da equipe, escrever um novo procedimento sobre como gerenciar projetos etc. E assim o PMBOK já se aproxima das 500 páginas…
Bem, uma breve reflexão sobre os exemplos acima são suficientes para revelar um padrão comum por trás dos mesmos: a contraditória tendência de que os intentos para resolver a complexidade do sistema, uma vez decididos sob a ótica do Paradigma da Complexidade Inerente, acabam invariavelmente aumentando a complexidade! O que reforça ainda mais a crença de que a realidade é naturalmente complexa, completando assim o ciclo de uma profecia auto-realizável.
A solução definitiva, portanto, não se encontra dentro das fronteiras do próprio paradigma, mas requer sua substituição por um mais adequado: o Paradigma da Simplicidade Inerente, preconizado por Eli Goldratt em seu livro “The Choice”, o qual consiste em descobrir que “a realidade é sumamente simples e intrinsecamente harmoniosa.” A prática desse revolucionário paradigma consiste em engajar-se corajosamente (com a “humildade arrogante” de um cientista, como dizia Goldratt) em um processo de raciocínio fundamentado em relações lógicas de causa e efeito, até que seja identificado o único ou poucos fatores de fundo responsáveis pela multiplicidade de efeitos indesejáveis da realidade atual. O método para isso é o “Thinking Process”, já discutido em artigos anteriores. Revela-se desse modo a simplicidade inerente que sempre esteve escondida atrás da complexidade aparente. Então (e só então) fica evidente o caminho para uma solução poderosa e, com frequência, vergonhosamente simples.
Aplicado como antídoto eficaz para as problemáticas situações mencionadas anteriormente, a Simplicidade Inerente aponta para: romper com a Gestão por Departamentos e adotar a Gestão por Processos, subordinando a estrutura vertical das diversas áreas funcionais ao fluxo horizontal e integrado dos processos empresariais; focar e priorizar apenas o fluxo ininterrupto de trabalho através dos diferentes processos e recursos para que os demais objetivos de qualidade, produtividade e mínimo custo sejam “automaticamente” alcançados (o que constitui a essência do Sistema Lean de Produção); substituir o manejo individual das tarefas do projeto pela orquestração global da “corrida de bastão” através da cadeia de atividades e recursos dependentes que determinam a data de entrega final do projeto (o método da Corrente Crítica, de Goldratt). Mas faltaria espaço nesse meio para entrar em detalhes sobre tais soluções…
No próximo artigo da série, abordaremos o Paradigma do Mundo do Custo e suas desastrosas consequências.

E você? O que pensa sobre este tema?
Qualquer comentário será muito bem-vindo.
Até a próxima edição!
Eduardo C. Moura


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