Sistema de Gestão Integrado: uma tríplice mentira

Posted By Eduardo Moura in Blog | 2 comments


SGI: uma tríplice mentira


Eduardo-MouraSei que o título acima soa ofensivo para muitos profissionais cuja função é justamente cuidar do SGI (Sistema de Gestão Integrado) na empresa. Mas, como em todo artigo que escrevo, a idéia não é ofender e nem suscitar vã polêmica, mas apenas ampliar a visão ou pelo menos levar o leitor à reflexão, se possível for. Feita esta ressalva, passo a esclarecer meu ponto de vista sobre o tema do SGI, que em muitas empresas trata-se de integrar o controle e manutenção das certificações de normas internacionais de garantia da qualidade, proteção ambiental e saúde e segurança no trabalho, para mencionar apenas as mais populares. Mas o que normalmente vemos de SGI nas empresas não é nem um verdadeiro sistema, nem verdadeira gestão e nem verdadeira integração. Uma tríplice mentira, portanto! Mas abordemos um ponto por vez, na ordem mais conveniente:

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Em primeiro lugar, o SGI não se constitui um verdadeiro sistema, se partirmos da visão do sistema de negócios que compõe a empresa como um todo. O SGI cuida apenas de aspectos (importantes, é verdade) do sistema: qualidade do produto, meio ambiente e bem-estar dos colaboradores. O SGI, por exemplo, não trata a questão da estratégia empresarial, e nem aborda o tema da cultura ou ideologia empresarial. Pelo contrário, pressupõe ambas as coisas. E pode fracassar redondamente se elas não estiverem bem estabelecidas. Ou seja, o SGI não tem sentido e nem pode subsistir independentemente das demais partes do sistema de negócios. Trata-se, portanto (na melhor das hipóteses) de um sub-sistema dentro do verdadeiro sistema de negócios.
Em segundo lugar, o típico SGI não é integrado, nem interna e nem externamente (com muito raras exceções). Do ponto de vista interno ao SGI: na maioria das empresas a “integração” consiste apenas em atribuir ao mesmo departamento a responsabilidade pelas certificações de qualidade, meio ambiente e saúde ocupacional. Some-se a isto o fato de que cada norma apresenta seus requisitos de maneira isolada em relação às demais, e o resultado típico é um verdadeiro samba do criolo doido, com uma proliferação de procedimentos desconexos que acabam trazendo mais um peso burocrático e respectivo custo de manutenção, sem a contrapartida de melhoria da competitividade. E do ponto de vista externo, ou seja a relação do SGI com os processos de negócio, pior ainda: na maioria dos casos as pessoas simplesmente não sabem como verdadeiramente incorporar aos processos de trabalho os requisitos normativos, de maneira que a execução rotineira do trabalho naturalmente cumpra pelo menos 85% do que pedem as normas. Pelo contrário, em vez de deixar que cada processo “puxe” os requisitos pertinentes como forma de melhorar sua padronização, controle e melhoria, o que normalmente acontece é “empurrar” para dentro da empresa uma série de procedimentos adicionais de controle. E isto dá origem a uma flagrante dicotomia entre os procedimentos do SGI e os procedimentos do trabalho diário. Como conseqüência, na prática, os colaboradores vivem duas realidades: a verdadeira, que é o seu dia-a-dia de trabalho, sob o comando de chefes que muito pouco sabem dos requisitos normativos, e a realidade virtual, que é aquela descrita nos procedimentos do SGI. E, na ótica dos que pelejam na realidade verdadeira, de vez em quando aparecem uns incômodos defensores da realidade virtual (o pessoal do SGI) para “apontar não-conformidades e aumentar nossa carga de trabalho”. Não é de se espantar, portanto, a clássica correria para “arrumar o circo” para auditores externos, preenchendo formulários e gerando “evidências objetivas” às vésperas da auditoria de manutenção da certificação.
E, finalmente, o SGI não é um sistema de gestão, na acepção mais ampla do termo. Se definirmos “gestão” como o conjunto de atividades de análise e intervenções que permitem que o sistema de negócios cumpra sua missão e avance eficazmente em direção à visão de longo prazo, podemos entender que por melhor que esteja concebido e implementado o SGI não é capaz e nem se propõe a fazer isso. Embora as normas ajudem a estabelecer um patamar básico para que a empresa cumpra suas obrigações com relação aos clientes, colaboradores e o meio ambiente, a excelência classe mundial requer muito mais que isso. Para confirmar este fato, basta ver a enorme distância que existe entre os requisitos normativos e os critérios de excelência do PNQ (Prêmio Nacional da Qualidade), por exemplo.

Até a próxima edição!
Eduardo C. Moura


Tag: SGI: uma tríplice mentira

2 Comments

  1. Parabéns pelo artigo.
    Seus artigos dão “uma chacoalhada no bambu”.
    Sou um profissional da área de Processos e o que você escreveu é o retrato do que ocorre nas empresas. As normas ISO citam processos, mas percebe-se uma grande carência de visão POR PROCESSOS na implantação do SGI, que por falta desta visão acabam criando apenas mais burocracia para atender as Normas do que melhorias na realidade do dia-a-dia da empresa.

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  2. Apoiado. Não há dúvida de que o SGI não abrange todos os processos de uma empresa, além do que, mais de 90% das empresas que implantam tais normas o fazem apenas para atender a exigências de mercado.
    A outra contribuição negativa para que o SGI não produza bons resultados são as certificadoras que avaliam estes sistemas, geralmente utilizam profissionais sem as qualificações necessárias e/ou com instruções para que não causem “problemas” que façam o cliente mudar de certificadora.

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