Paradigmas 1: o Paradigma do Conflito Inerente

Posted By Eduardo Moura in Blog | 0 comments


Paradigmas 1: o Paradigma do Conflito Inerente


Eduardo-MouraÉ muito raro encontrar alguém que esteja contra a melhoria, pelo menos conceitualmente. Muitos dirigentes de empresas estão interessados e empenhados em melhorar o desempenho organizacional; muitos almejam uma mudança cultural. Todavia, contraditoriamente, poucos estão dispostos a mudar suas premissas administrativas, as quais compõem os paradigmas de gestão, que por sua vez determinam em grande parte a cultura organizacional e os resultados de negócio. Sobre isso já comentei algo em um artigo anterior (“O Poder das Premissas”). Uma definição de paradigma (inspirada em Thomas Khun) poderia ser o “modelo ou padrão de pensamento que, durante um período de tempo mais ou menos longo, e de modo mais ou menos explícito, orienta o desenvolvimento de soluções exclusivamente para os problemas suscitados pelo mesmo”. Assim como ocorre com os modelos, existem paradigmas bons e maus. Os bons são aqueles que nos permitem manter o foco nas coisas essenciais, sem nos distrairmos com as irrelevâncias ao redor. Os maus, aos quais devemos estar atentos, são aqueles que sistematicamente nos colocam na contramão da melhoria.
Inicio aqui uma série de artigos dedicada a discutir, ainda que brevemente, quatro paradigmas muito comuns no meio empresarial (particularmente na produção) cujos efeitos são no mínimo nocivos e, com muita frequência, devastadores. Em cada caso, começo a discussão pelos efeitos negativos causados pelo paradigma, pois tais efeitos são as nossas dores de cabeça do dia-a-dia. Em seguida tratamos de revelar o conflito administrativo que está por trás daqueles efeitos indesejáveis, e finalmente expomos as premissas inválidas ou questionáveis que sustentam o paradigma, para em seguida propor um caminho de solução, substituindo o paradigma vigente por um mais adequado.
O primeiro deles é o Paradigma do Conflito Inerente, o qual reza que “a realidade é intrinsecamente conflitiva”. Sob esta ótica, os conflitos são naturais e não podem ser realmente eliminados, restando portanto apenas duas possibilidades de “solução”: um dos lados cede e o outro ganha (solução ganha-perde) ou ambos os lados cedem (solução perde-perde). Se pararmos um pouco para pensar, podemos ver esse paradigma em ação em várias situações da nossa vida pessoal e profissional, desde pequenas rusgas no matrimônio até disputas por oportunidades de carreira e negociações com fornecedores, por exemplo. Mas gostaria de discutir com um pouco mais de detalhe o Paradigma do Conflito Inerente em duas situações bastante comuns no ambiente de produção: a questão de produzir com base em “forecast” ou previsão de vendas, e a pressão por alterar o plano de produção para atender urgências.

paradigma
No primeiro caso, os efeitos indesejáveis típicos são: por um lado, excesso de inventário de produto que não vende (previsão não confirmada) e por outro lado, falta do produto que o mercado quer, mas cuja venda não estava prevista. O conflito que está por trás de tais efeitos prejudiciais é “a) Produzir antes de ter pedido firme versus b) Produzir após ter pedido firme”. O sistema de produção sob “forecast” é uma solução ganha-perde: ganha (a) e perde (b). E a premissa, tacitamente assumida, que nos leva a isso é que “nosso lead-time de produção é maior do que o prazo requerido pelo mercado; e não é possível reduzi-lo”. Mas é fácil demonstrar que o lead-time é diretamente proporcional ao “WIP” (Work In-Process”) ou inventário em processo. E a produção sob “forecast” é prima da mentalidade de produção em grandes lotes, a qual por sua vez é irmã da política de máxima utilização de cada recurso produtivo, cuja ciranda sinistra dá origem a montanhas de inventário em processo. Porém, se conectarmos os processos produtivos em uma cadeia sincronizada e estável, será possível trabalhar com muito menos WIP e assim obter reduções drásticas no tempo de resposta ao mercado. O que, combinado ao manejo sábio do inventário de produto acabado (quando aplicável e necessário), invalida aquela premissa tácita e permite atingir níveis de serviço ao cliente nunca dantes imaginados. Portanto, a solução que elimina o conflito pela raiz é simplesmente eliminar a produção por “forecast” e instituir o sistema puxado de produção, isto é: responder dinamicamente ao mercado, seja fabricando fabricando rapidamente o que foi pedido, ou repondo no supermercado de produto acabado aqueles itens que foram vendidos. Assim será possível atender a ambos os requisitos contraditórios do conflito: responder rapidamente ao mercado e minimizar os custos de inventário. E as ferramentas mais que comprovadas para isso estão disponíveis no Sistema Lean de Produção (fluxo contínuo em células de produção, combinado com sistema kanban e supermercados) e/ou na Teoria das Restrições (solução DBR-Drum Buffer Rope e sistema “Rapid Reliable Response”).
Um segunda situação onde impera o Paradigma do Conflito Inerente é a crônica disputa entre o Departamento de Produção e o Departamento Comercial, no que diz respeito ao conflito “mudar versus não mudar o plano de produção”, de modo a atender pedidos urgentes de certos clientes. A “solução” típica nesse caso é uma mescla de ganha-perde de ambos os lados, que acaba se convertendo num perde-perde para todos (clientes inclusive), sem mencionar o clima azedo entre os representantes das duas áreas envolvidas. Além da premissa do lead-time longo já discutida anteriormente, juntam-se aqui duas outras premissas tácitas: a) “não temos suficiente capacidade para atender urgências”, e b) “não podemos aumentar o gasto operacional com horas extras para fabricar os pedidos urgentes”. Entretanto, tais premissas podem ser facilmente questionadas: contradiz a premissa (a) o fato de que desperdiçamos capacidade produtiva fabricando produtos que o mercado não quer (sintoma típico discutido anteriormente); e podemos invalidar a premissa (b) se reconhecermos a realidade de que a essência do negócio é aumentar as vendas, e não reduzir custo – em outras palavras: o gasto operacional pode aumentar, sim, desde que obtenhamos um aumento compensador do “throughput” (vendas menos custo totalmente variável). E de novo, existem soluções prontas de Lean, TOC e Gestão por Processos (que não temos espaço para detalhar aqui), as quais permitem eliminar o conflito e instituir uma solução ganha-ganha permanente, de modo que a área de produção deixe de ser uma “pedra no sapato” da área comercial (e vice-versa), e passem ambas a servir ao mercado com muito maior eficiência e agilidade.
Concluindo: os casos acima apontam para a realidade de que o Paradigma do Conflito Inerente pode ser vantajosamente substituído pelo Paradigma da Harmonia Inerente, pois todo efeito indesejável crônico envolvendo pessoas e organizações humanas tem por trás de si um conflito para o qual haverá, sempre, uma solução ganha-ganha. Pois como diz Eli Goldratt em seu genial livro “The Choice” (ampliando um pensamento de Isaac Newton): “a realidade é sumamente simples e intrinsecamente harmoniosa”. Vez após vez tenho tido a grata experiência de constatar que este é um princípio absolutamente válido, desde que abramos nossa cabeça para pensar claramente em termos de causa e efeito, buscando e questionando implacavelmente toda premissa inválida ou questionável.
No próximo artigo da série, trataremos de atacar o Paradigma da Complexidade Inerente.

E você? O que pensa sobre este tema?
Qualquer comentário será muito bem-vindo.
Até a próxima edição!

Se você não leu a primeira parte do artigo, clique aqui.


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